A área ocupada pela produção agrícola pode mais que dobrar no Cerrado e na Amazônia sem que nenhuma vegetação tenha que ser retirada, mas para isso a pecuária precisa intensificar para acompanhar o ritmo de crescimento projetado para a demanda. É o que conclui estudo de seis pesquisadores brasileiros e americanos a partir de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) publicado na revista “Sustainability”.
Com 31 milhões de hectares ocupados por culturas agrícolas em 2017, os dois biomas tinham então 74 milhões de hectares de terras já desmatadas e aptas para cultivos. Porém, dessa porção, 64 milhões de hectares já eram pastagens.
Os pesquisadores traçaram quatro cenários de expansão da área agrícola no Brasil, considerando tanto as possibilidades previstas no Código Florestal como a alternativa mais restritiva, de desmatamento zero. E, mesmo nesse cenário, viram espaço para avanço da agricultura.
Para a expansão agrícola não derrubar nenhuma área de vegetação nativa no Cerrado nem na Amazônia, e avançar sobre áreas de pastagem, a extensão ocupada pela pecuária poderia se deslocar por outros 47 milhões de hectares, que equivale à área que já foi desmatada nesses biomas mas que não são aptas à agricultura. Trata-se de uma área menor que a ocupada por pastagens nesses biomas atualmente.
Mesmo se for considerado um horizonte de dez anos, a pecuária ainda precisaria se intensificar para que a expansão da agricultura não avance sobre vegetação nativa. Em 2018, o Ministério da Agricultura previa que, até 2028, a área agrícola teria que crescer 24 milhões de hectares para atender à demanda global por alimentos brasileiros, enquanto a produção da pecuária teria alcançar 125 milhões de cabeças de gado.
Porém, se o nível de ocupação de bois por hectare se mantiver o mesmo de 2017, seria preciso que a pecuária avançasse por 76 milhões de hectares de 2018 a 2028, uma extensão maior que os 47 milhões já desmatados no Cerrado e na Amazônia.
O estudo ressalta que a pecuária poderia melhorar com estratégias “realistas” de intensificação e precisaria elevar a ocupação de 1,64 para 2,66 cabeça por hectare. O desafio, porém, é garantir os elevados custos com apoio técnico e acesso a financiamento com critérios sustentáveis, defendem os pesquisadores.
O segundo cenário traçado considera que a produção agrícola pode avançar sobre vegetações nativas não florestais, respeitando as regras do Código Florestal de preservação de reserva legal nas propriedades. Nesse caso, 5 milhões de hectares poderiam ser desmatados no Cerrado e na Amazônia além da extensão já desmatada em 2017, mas só metade dessa área é apta à agricultura.
A maior parte dessa área adicional (4,2 milhões de hectares) poderia ser desmatada no Cerrado. No caso da Amazônia, o estudo calculou que há 1 milhão de hectares que poderiam ser desmatados dentro das regras do Código Florestal e que não ficariam de fora das regras da Moratória da Soja (cujo impedimento à produção é em áreas desmatadas após 2008).
Em um terceiro cenário, que considera todos os tipos de desmatamento previstos no Código Florestal, incluindo florestas, a área que poderia ser desmatada ante o cenário de 2017 seria de 51 milhões de hectares – maior que a Espanha. Mas nem toda essa extensão estaria apta à agricultura: 30 milhões de hectares poderiam ser cultivados com alguma produção agrícola.
Como o Código Florestal prevê uma área menor de reserva legal nas propriedades do Cerrado, o bioma concentraria a maior parte (76%) desse desmate legal. Na Amazônia, dos 12 milhões de hectares que poderiam ser desmatados legalmente, 1 milhão não são agricultáveis.
Em um quarto cenário, em que os produtores respeitem as regras de recuperação de vegetação e de compra de Cotas de Reserva Legal (entre quem tem reservas de “sobra” por quem tem déficit em suas propriedades), a área disponível para desmate seria menor, de 40 milhões de hectares – 21 milhões de hectares dos quais adequados à agricultura.
FONTE: Valor Econômico