Houve uma época em que a pista de julgamento de zebuínos era a forma de testar o máximo potencial produtivo da genética Nelore. O rigor era total para avaliações como aprumos, habilidade materna, fertilidade e peso de abate ideal sem perda da funcionalidade do animal, para que ele chegasse à vida adulta produzindo os melhores resultados em regime de pasto.
“O Nelore sempre foi a raça-matriz produtora da carne bovina consumida no Brasil. É reconhecida por sua extrema adaptabilidade ao clima tropical e por produzir vacas com excelente habilidade materna, que parem sozinhas e desmamam bezerros vigorosos, pesados e com ótimo rendimento de carcaça, além de touros capazes de caminhar por todo o pasto. Infelizmente, não é o que vemos hoje”, avalia Paulo Leonel, diretor do Grupo ADIR e diretor comercial da recém-criada Associação do Nelore Brasileiro (ANEB).
A proposta da nova associação não é concorrer com as demais entidades representativas já existentes, mas apenas resgatar a pista como uma referência na seleção. “Queremos reconectar a pista com aqueles criadores que participavam das exposições preocupados em nortear a pecuária nacional e se afastaram dela por conta de todo o artificialismo praticado atualmente. Nas mostras homologadas pela ANEB, nós mostraremos o gado Nelore que o Brasil realmente precisa, ou seja, um animal com peso, padrão, equilíbrio e tipo normais ao gado Nelore de campo” , explica Fernando Zamora, proprietário da Fazenda Brasil e presidente da ANEB.
Novo modelo de julgamento
Segundo os organizadores, essa decisão foi tomada porque defendem ser necessário acompanhar o desenvolvimento do Nelore PO por um período mais prolongado. “Hoje, tornou-se comum vermos animais chegando à vida adulta com aprumos tortos e inférteis. Um exemplo são as fêmeas jovens. Elas vencem os campeonatos Novilha Menor ou Maior e nunca mais voltam para a pista porque não emprenham. Tudo isso por excesso de trato. Ninguém deseja uma genética dessa no seu plantel”, aponta Antônio Carlos, que ainda caracteriza como insalubre à atividade a frenética corrida para conquista do topo do Ranking Nacional.
A ANEB possui 40 associados espalhados por todo o Brasil. “Necessitamos oxigenar a pista, dando oportunidades iguais a todos aqueles que possuam gado bom para expor e condizente com as reais necessidades da pecuária nacional”, conclui Leonel.
Confira a entrevista com Fernando Zamora, presidente da ANEB:
Por que a pista perdeu valor?
A pista perdeu o valor por um motivo simples, porque as expectativas sobre os animais premiados não se confirmavam no futuro. Os animais eram premiados, os criadores iam atrás dessa genética (compravam) e ela não produzia o que se esperava. O último Grande Campeão Nelore que cumpriu as expectativas foi o touro Geru e depois dele não surgiu mais nenhum. Por que aconteceu isso? Porque as pessoas que selecionavam esses animais não tinham a orientação correta. Alguns também forneciam muita ração turbinada aos animais de pista. É isso que acontecia e ainda vem acontecendo. Por isso que não há quase animal nos julgamentos de pista atualmente. Como o animal da pista ficou exigente de comida, o que não condiz com a realidade de pastagem do pecuarista, ele se distanciou muito da realidade de produção. Por isso perdeu-se o interessa da pista. O pecuarista que cria boi no pasto chega à pista e vê aqueles animais super tratados, maquiados, e identifica que aquilo ali não é a realidade dele. Pra mim, a grande culpa dessa situação é a formação dada aos jurados. Porque quando o juiz fala que um animal é bom, a pessoa acredita, vai coletar a genética dele e vai focar sua seleção nesse tipo de animal. Depois esse mesmo animal não se prova e ele vai fazer sua seleção apenas com animal ruim, que ninguém quer. Em resumo, a pista distanciou-se da realidade do Brasil e do criador.
Qual sua opinião sobre os programas de avaliação genética (DEPS)?
É importante ter os programas de melhoramento genético e acredito que vai ser uma boa ferramenta para os criadores um dia, mas, infelizmente, no Brasil, por uma questão comercial, como também ocorreu com a pista, com a inserção da corrida por determinadas “famílias”, tornou-se algo muito comercial e não condiz mais com a verdade. O que eu tenho visto acontecer nesses programas de melhoramento genético é que essas fórmulas estão erradas, onde 2 + 2 está dando 18. Dos animais que estão bem classificados no sumário, espera-se que daqui dois, três ou quatro anos eles ainda estejam em alta, mas acaba acontecendo que eles desaparecem. Mudam todos os números e não se tornam o que deveriam ser. Outra coisa também é forma de mensurar, onde se prioriza apenas desempenho (ganho em peso), esquecendo-se de características importantíssimas da raça Nelore como peso ao nascimento, aprumos corretos, couro leve, ossatura equilibrada, com habilidade materna para manter seu bezerro. Isso tudo foi sendo largado pra trás e hoje está se criando um animal indesejado para as condições brasileiras. Os programas são importantes, mas justamente em virtude disso devem ser revistos. Isso está tudo errado e foi isso nos levou a criar a ANEB. Sobre a panaceia dos números que você citou, isso não me preocupa muito porque como está dando um fracasso muito grande nos animais a tendência é os “numerólogos” mudarem o conceito da avaliação ou vão desaparecer do mercado, pois os próprios criadores e produtores estão vendo que os reprodutores que estão sendo indicados como bons animais não se provam como tal, então, isso tende a acabar por si ou melhorar.
Quais os méritos do Brasil como maior exportador de carne bovina e motivos que levaram à criação da ANEB?
Eu acredito em 100% no Brasil como maior exportador de carne do mundo e credito esse mérito aos criadores e não a esses números dos programas de avaliação genética. Acho que “esses números” estão é prejudicando a carcaça do animal Nelore ou anelorado. Focaram muito num boi “baixote”, costeludo – entre os principais cortes, a costela é a carne mais barata do boi. O boi tem de ser arqueado e não costeludo, então, acredito que os números só pioraram a qualidade do gado. Essa é a opinião da ANEB e essa associação foi criada devido à indignação desse grupo de criadores que veem problemas na pista, que não estão mais premiando os melhores animais indicados para a realidade da pecuária brasileira, e nos programas de avaliação genética, que seguem o mesmo caminho da pista. Acreditamos muito é na competência do criador e na importância da discussão desses assuntos na classe. Também discordamos do que vem acontecendo na ABCZ em relação ao critério utilizado para o registro dos animais, onde a gente vê animais registrados praticamente aleijados, com problemas sérios de funcionalidade e caracterização racial. Acreditamos que uma associação, quando coloca sua marca no animal, essa marca precisa ser uma chancela à sua qualidade, garantindo que ele esteja dentro do padrão da raça e que ele não tenha defeitos que venham a desclassificá-lo. Isso não vem acontecendo na ABCZ.
Fonte: Agrolink