Uma mudança significativa no mercado do milho fica cada vez mais evidente no Brasil, cuja demanda pelo grão vem crescendo constantemente há cerca de cinco anos. A venda antecipada da safra 2020/2021 alcançou, em julho, a histórica cifra de 17% no País, de acordo com levantamento da consultoria StoneX, do Paraná. E, no Rio Grande do Sul, esse índice chega a 25%, de acordo com a empresa.
Apesar de já tradicional no segmento de soja, a venda antecipada ainda era incomum no milho há poucos anos. Agora, com um mercado mais demandado pela indústria do etanol, pelo crescimento das exportações e do avanço das vendas de proteína animal, o grão está entrando em um novo patamar de negócios. Etore Baroni, consultor sênior em gerenciamento de riscos da StoneX, alerta que se a indústria de carnes não começar a investir em mais estímulos para a produção de milho e não reforçar suas compras antecipadas, será uma das mais afetadas pelo cenário.
Presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), Nestor Freiberger, costuma dizer que o frango é uma espiga com asas, tal a importância do insumo para a cadeia produtiva. Isso porque cerca de 70% dos custos de produção do setor é com alimentação das aves, e o milho sua principal base nutricional.
Com a estiagem que afetou o Rio Grande do Sul neste ano infligindo quebra de 32 % na safra, a produção local caiu de 5,95 milhões toneladas previstas para 4,2 milhões toneladas. O déficit no Estado, um dos maiores produtores de aves e suínos do País, que já era de 1,5 milhão de tonelada/ano, poderá chegar a 2,5 milhões.
“Para trazer o grão do Mato Grosso, o Rio Grande do Sul tem um custo absurdo. São 2 mil quilômetros de distância, com frente entre R$ 18 e R$ 22 por saca, que pode chegar, em alguns momentos, a R$ 25”, destaca Baroni.
Levantamento da consultoria StoneX mostra o avanço da comercialização antecipada. Foto: Reprodução/JC
Ainda que avalie que os frigoríficos já começam a prestar mais atenção a esse gargalo, Baroni diz que é preciso fazer mais. Com a cotação valorizada no mercado internacional elevando os embarques e a indústria do etanol sendo um mercado cada vez mais aquecido para os produtores, o executivo da StoneX diz que se os frigoríficos não se posicionarem melhor como compradores terão seus custos elevados.
“A indústria de alimentos tem mais concorrentes hoje em dia. Antes, o produtor de milho não tinha muitas alternativas para vender, o que vem mudando bastante com a produção maior de etanol e das exportações, desde 2015, principalmente”, explica Baroni.
O analista avalia que o segmento da proteína animal ainda atua basicamente como comprador do grão que entra no mercado, sem influenciar e fomentar como poderia, antecipadamente. E como boa parte da produção do próximo ano já estará vendida antes de ser colhida, o setor poderá ser prejudicado em 2021.
Baroni diz que não há risco de faltar milho, porque as importações seguirão abastecendo o mercado brasileiro_ mas com seus custos extras de logística. A previsão é de ampliação da produção nacional, mas não a ponto de suprir toda a necessidade interna. Com o consumo nacional em cerca 68 milhões de toneladas/ano, e as exportações próximas de 35 milhões, faltará produto local de qualquer maneira.
“A produção nacional é de 100 milhões de toneladas. Ou seja, por mais que se amplie a safra brasileira, não há milho para todo mundo. A indústria de carnes precisa começar a fomentar mais e fazer compras antecipadas se quiser evitar o alto custo do frete”, sugere o executivo.
Com a demanda aquecida e a quebra na safra gaúcha, as importações de milho por meio do Porto de Rio Grande, por exemplo, somaram apenas neste primeiro semestre do ano 8,3 mil toneladas. O volume já representa alta de 56% sobre todo o ano passado, quando ingressaram no Estado, especialmente oriundas da Argentina, 5,337 mil toneladas do grão.
“A Argentina tem uma boa perspectiva de safra, produz muito e consome pouco, então é um bom fornecedor para o Brasil, mas comercializa com preços internacionais, que estão em alta”, detalha Baroni.
Com tanta demanda, de acordo com levantamento da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), o preço da saca de 60 kg passou de R$ 30,29 em junho de 2019 para R$41,0 em junho deste ano, um reajuste de 35%.
Competição com a soja limita adesões a contratos futuros
Soja tem preço acima de R$ 100 a saca, o que a torna ainda mais atrativa
LOURENÇO FURTADO/FATO E FOTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Roges Pagnussat, presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Rio Grande do Sul (Acergs), pondera que estimular o plantio do milho com antecedência esbarra em uma questão financeira mais ampla_ mas também considera o volume de contratos futuros em nível acima da média histórica. As empresas cerealistas são responsáveis por cerca de 50% das compras no Rio Grande do Sul, de acordo com a Acergs.
No final de julho, o indicador da Acergs apontava que 22,5% da safra 2020/2021 já estava negociada_ um pouco acima dos 21,1% no mesmo período do ano passado sobre a safra 2019/2020, que já era um indicador elevado. O desafio, destaca Pagnussat, também inclui convencer o produtor a fechar o contrato, já que o grão disputa espaço com a soja_ hoje com uma cotação ainda melhor do que o milho.
“Com a soja cotada em contratos futuros acima dos R$ 100 a saca, o produtor não fica muito favorável a fazer o contrato para o milho. Salvo aquele que precisa plantar de qualquer maneira para rotação de culturas”, explica o Pagnussat.
O milho a preço futuro está cotado no máximo em R$ 45 a saca, diz o cerealista, e para atrair o agricultor deveria valer pelo menos metade do pago pela soja. E como a soja sofre menos com a estiagem, ou seja, tem risco menor de perda em caso de estiagem, a opção pela oleaginosa acaba preponderando.
Indústria de alimentos ainda faz pouca compra antecipada
Suinocultura tem 80% dos custos na alimentação, em média
SCOTT OLSON/AFP/JC
SCOTT OLSON/AFP/JC
Presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), Valdecir Folador avalia que as compras antecipadas de milho crescem no setor, ano a ano, mas não são muito frequentes. Ainda prepondera a aquisição no mercado em um sistema mais imediatista, com a compra feita, em média, 30 dias antes do consumo direto.
“A compra antecipada dá uma garantia melhor ao agricultor de que terá preço e mercado para o grão, mas para a indústria ou criadores demanda recursos do capital de giro e estocagem também. Então, as compras vão sendo feitas pontualmente”, explica Folador.
No caso do suínos, a alimentação responde por próximo de 80% dos custos, e quase 70% dele está vinculado ao milho, que teve alta de 35% nos últimos 12 meses, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP).
Com isso, o custo de produção da carne de porco no Rio Grande do Sul passou R$ 3,80 neste mesmo período do ano passado para R$ 4,60 em julho de 2020, segundo Acsurs. O que é compensado, porém, pela valorização do produto. O preço pago pelo quilo do suíno vivo no Rio Grande do Sul em julho foi mais alto dos últimos anos, R$ 6,01.
No mesmo período de 2019 girava na casa dos R$ 4,40 ( cerca de 25% abaixo do valor atual). Se comparado com os valores praticados ainda no início de 2019, a diferença é ainda maior, já que produtor chegou a receber próximo de apenas R$ 3,2 pelo quilo em janeiro, segundo o Cepea.
Safra gaúcha de milho 2020/2021 poder ser até 10% maior
A estiagem secou mais de 30% das lavouras de milho no Rio Grande do Sul neste ano
FETAG-RS/DIVULGAÇÃO/JC
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Dentro do atual cenário de milho em alta nos mercados interno e Externo, com mais fomento por parte da indústria, das cooperativas e das cerealistas, o diretor de política agrícola da secretaria de Agricultura do Estado, Ivan Bonetti, já projeta que a área plantada poderá crescer 10% no ciclo 2020/2021.
Bonetti leva em conta na estimativa o movimento de compras de insumos, que já começou, assim com o fortalecimento de toda a cadeia produtiva, incluída as processadoras de carnes, em estimular o plantio do grão em solo gaúcho.
“O setor de proteína animal nos dizia, antes, que era caro cultivar na Metade Sul, onde há espaço para crescer, mas traz do centro-oeste do País, ante pouco mais de 300 quilômetros do sul gaúcho. Isso mudou bastante”, assegura Bonetti.
O diretor de política agrícola do Estado ressalta que o que se produzir no Estado tem mercado certo, e que adesão ao programa Pró-Milho por parte de cerealistas, indústrias, criadores de animais e governo estão convergindo para essa expansão da área.
“Será um ano diferente de todos os outros, com certeza. O Pró-Milho está recebendo adesões sem esforço, diferentes entidades, empresas e até universidades estão nos procurando espontaneamente”, comemora Bonetti.
Fonte: Jornal do Comércio